28 de abr. de 2010

Desde pequena eu gosto de ver de dentro pra fora, virar as coisas ao avesso, abrir, costurar, fazer remendos...
Com as bonecas, com os carrinhos, com as televisões, os radinhos e as pessoas.

24 de abr. de 2010


-Entre mar e rio, eu escolheria ser rio.

O mar é imenso no seu vai e vem infinito.
O rio sinuoso vai. E só.
O rio é largo, é estreito, cai.
O mar é plano, é pleno, paisagem.
O rio vem de cima.
O mar já foi um rio, e salgou.
O rio é interior.
Não existe mar sem rio.
Deságua o rio, por fim, no mar.
As pessoas se divertem na água doce.
As pessoas se divertem na água salgada.
As pessoas adoçam e salgam com as águas.
As águas são como as pessoas, imensas no seu vai e vem infinito...

23/04/2010

Para fazer uma omelete é preciso quebrar alguns ovos.
Às vezes me pergunto quanto a integridade dos ovos ou o proveito da omelete.
Um mal cozinheiro tentaria explicar o sacrifício;
dizendo que é preciso quebrar alguns ovos para fazer uma omelete...

10 de abr. de 2010

Luciana Elaiuy - A MENTIRA TEM PERNAS LINDAS

AMOR PRIMO
Pra calorar noites frias
Fite as horas aos olhos das tias.
A sala tem poros.
Os glóbulos, ódio.
A casa transpira,
O sabor da cortina
É ótimo.

ROTINA DE APROXIMAÇÃO
Você tem uma bala?
Eu quero uma bala,
você tem uma bala?
Uma bala? Uma bala?
Uma bala? Uma bala?
Bala? Bala? Bala?
Bala, bala, blala, bala,
bala, bla, bla, bla, bla,
bla, bla, bla, bla?
Blá! Blá, blá, blá, blá, blá,
blá, blá, blá, blá, blá, blá, blá.


ai = dor
ai ai = amor
ai ai ai = preocupação
ai ai ai ai = musica sertaneja
ai ai ai ai ai = musica mexicana

VERBOS NOTURNOS
Uma cama me engoliu com lábios de colchão e cobertor.
A noite mastigou minhas validades,
destruiu meus planos com dentes de despertador.

CANDURA
A dureza da palavra está no fato de ser pura.

-TE
Tomou em cápsulas para ter coragem,
tomou com água e quis tombar paredes e colunas.
Foi torta e tipicamente tensa na temperatura tonta daquele tempo, mas depois,
tranquila,
teceu os fatos, tricotou as tensões e tirou
disso tecidos e tapetes prontos para voar.
Tocou o céu e todas as Terras sem tremer,
teimou com as nuvens e entrou pro time dos tristes nunca mais.
Testou as últimas chances e tingiu suas
tentativas com cores que antes não tinha nos olhos.
Tinta fresca para novos dias, tempo tenro para tardes
e terraços, trajes tipo preguiça, teatro para todos os tatos, aplausos para todos os
toques, tempero para o terço das coisas, tabuleiros para os gestos e detalhes.
E depois de tanto voo, tanto azul, tanto texto, tanta tarde tímida, o tumulto da vergonha transbordou terceiras
intenções e eu também tomei das pequenas cápsulas para tratar as tonturas de
ver e nunca ter-te.

OVERBODOSE
Overbodose é um verbo viciado na linguagem. Overbodose.
São doze bodes presos? São bodes espiatórios vagando com os meus segredos. O verbo é over, o verbo é ovulo, ovni, é ovo. O verbo é oco.
O indizível é o que mais odeio. Ele me abusa quando não há canetas, me ouve se leio pra dentro. O verbo é vértebra e músculo,
orgânico como a overdose. Obtuso como um devaneio, vai saber.
O verbo sabe ler? Ele é pobre, não escolhe. O verbo é pele. É bobo, é bento. É a segunda idéia de Deus, é feito de carne, feito de eu.
O verbo não é vantagem, é direito. Em vinagre vigora meus defeitos,
conserva cabeceiras e olheiras quando me deito.
O verbo é a cama, é a grana, e nunca estamos satisfeitos.

O SAL
O sal saiu pra comprar sal. Nem sempre a doce vida é a melhor vida. Doce enjoa.
O sal dá sede. Sal deixa a gente vivo. Ele saiu pra comprar sal.
Deixou a casa acesa. A luz em cima da mesa. A busca é sempre a mesma: levar o sal pra casa, tempero de uma risada, graça até pro copo d'água,
mas a sede é sempre vesga.
Ele cruzou as esquinas, cruzou os dedos, mal sabia. O sal era a ausência que ele deixava quando saía, era o frio de estar sozinho, o sal era só até
a esquina, era ela sentir a falta um pouquinho. E ela sentiu. Por isso temperou os planos pro futuro com têmperas tensas e empolgadas. Visões um tanto salgadas, mão molhada, ela sob a luz daquela mesa. Esfomeada. Esperou. Mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, mais um tanto de espera, ele não voltou. Pesou demais a mão no tempo e o tempero dessalgou.
Ela escreveu na geladeira "o sal acabou". E saiu pra comprar um doce, mas a busca é sempre amor.